George Orwell • 1984

• Se tivesse sido escrito após a Guerra Fria e a disseminação da Internet e das tecnologias de informação, talvez 1984, de George Orwell (1903-1950), não passasse de um bom thriller político. Escrito no remoto ano de 1948, entretanto, quando mal se instalava a Guerra Fria, e os computadores davam seus primeiros passos, 1984 é um livro profético. Relata uma época futura, em que um regime totalitário instala-se no Ocidente, e por meio de um partido único e da teletela, controla completamente a vida e mesmo o pensamento de seus cidadãos.
• Numa narrativa envolvente e surpreendente, Orwell relata a grande mudança operada na vida de Winston Smith, um pacato funcionário da burocracia estatal, que entretanto guardava certas dúvidas sobre a legitimidade do sistema vigente, e em meio a lembranças de épocas passadas, procura se aproximar de uma organização de resistência. Smith conhece então aquele que o levaria para o lugar onde não há trevas, e aquela que o faria, por momentos, voltar a sentir-se humano, sofrendo uma profunda e irreversível transformação.
• Dois aspectos da utopia orwelliana chamam bastante a atenção por sua capacidade de antevisão: o aspecto geopolítico e o aspecto tecnológico.
• No plano geopolítico, o mundo está dividido em apenas três mega-Estados: Oceania, Eurásia e Lestásia – referentes, respectivamente, às regiões conquistadas por Estados Unidos, Rússia e China. Entre estes se estabelece uma situação de exclusão simultânea da paz e da guerra, pois ao mesmo tempo em que nenhum dos três Estados tem capacidade militar para derrotar qualquer um dos demais, é de suma importância para suas políticas internas que a situação de beligerância permaneça – o que é reforçado pela campanha de propaganda que cria, entre os habitantes da Oceania, um contínuo pavor perante seus inimigos, ou que relata, por meio da engenhosa teletela, fictícias batalhas que trouxeram derrotas ou vitórias ao país. Nesse sentido, Orwell previu com clareza a situação vigente nos anos da Guerra Fria, em que a União Soviética e especialmente os Estados Unidos formulavam discursos prevendo o apocalipse nuclear e levando a população interna, sob o signo do terror, a apoiar acriticamente suas políticas de “contenção” do inimigo (prática que nos últimos anos foi deslocada para a contenção ao “terrorismo islâmico”).
• Outra “profecia” de Orwell, se pudermos interpretar livremente as idéias do autor, foi a invenção da teletela, adotada pelo governo totalitário da Oceania – exercido pelo Partido e personalizado na figura do Grande Irmão. A teletela é um aparelho que se localiza nas paredes das casas das pessoas, e em tudo se parece uma televisão, exceto por alguns detalhes: transmite apenas programação elaborada pelo Partido e não pode ser desligada ou ter seu volume abaixado. Sua característica mais importante, entretanto, é a capacidade de servir como câmara e microfone, por meio da qual os técnicos do Partido podem monitorar o que acontece nos ambientes a qualquer hora do dia ou da noite. Remete-se aqui à idéia do panóptico (formulada no início da Idade Moderna e retomada por Michel Foucault em texto cujas referências não tenho mais), mecanismo por meio do qual o sujeito nunca sabe se está sendo observado ou não. A antevisão orwelliana, neste caso, refere-se não apenas às “sociedades vigiadas”, como a estadunidense e européia, em que raros são os espaços em que não estamos sendo filmados. O paralelo mais significativo, em meu entender, é com a Internet, que nos observa tanto quanto observamos os demais – afinal, por meio do controle quase monopolístico dos sistemas de computador nas mãos da gigante Microsoft e do governo estadunidense, não há nada que possamos esconder em nossos computadores dos olhos e ouvidos do “Big Brother”.
• A leitura de 1984 é extremamente agradável, e em apenas um momento perde o intenso ritmo narrativo para se deter nos aspectos geopolíticos da sociedade retratada – sessão que, se por um lado compromete a narrativa, é de importância fundamental para que possamos traçar um paralelo entre a utopia de Orwell e a geopolítica contemporânea. Além disso, é bom refletir que, com o controle monopolistico da Internet e das tecnologias de informação, e com a proliferação das câmaras de vigilância e de todos os demais sistemas de rastreamento de bens, pessoas transações financeiras e comerciais, há pouco que distingue o mundo contemporâneo da utopia totalitária de 1984.

ORWELL, GEORGE. 1984. (1ª edição em inglês: 1948). Tradução de Wilson Velloso. 29ª edição, com Apêndice da Novilíngua. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. 302 p. R$ 29,00.

2 comentários:

Anônimo disse...

Professor seu blog está muito bom.
Gostei do seu comentário sobre Gerge Orwel.
Aliás, ter vc como professor já é bastante saudável.Abraços!

Anônimo disse...

Esse texto é muito interessante, George Orwel era realmente um visionário. Também concordo com o cometário de Mauro.