A Praça dos Arcos

Caminhei lentamente até a praça, pois ainda faltavam vinte minutos para o encontro. Ao passar sob os arcos, algo me fez sentir uma forte angústia, como se uma camisa-de-força me apertasse até eu não mais poder respirar. Não sei precisar o quê, naquele ambiente, me deprimiu. Os arcos, lembrança material do Século das Luzes, tinham a superfície carcomida pelo tempo, e estavam repletos de pixações feitas por jovens desocupados, que competiam entre si para ver quem deixava sua marca em locais mais ousados.
Não sei o que me incomodava tanto naquela paisagem de filme noir futurista. Embora na cidade o tempo estivesse fresco e a noite enluarada, na praça uma densa névoa pairava sobre o ar, a brisa cessava e mesmo a lua não se via. Um cheiro forte de urina azedada predominava em todo o ambiente, mas em alguns trechos este cheiro era obliterado ou misturava-se ao odor característico de dejetos humanos, ao cheiro podre de vísceras de peixes, ou à catinga de suor encardido que vazava das espeluncas autodenominadas night-clubs ou boites. Destas, vazava também o som distorcido de caixas acústicas rasgadas pelo tempo, propagando as vozes e instrumentos desafinados de bandas que tentavam mostrar algum entrosamento.
Havia algo no ar que me perturbava, não sei o quê. Sob um dos arcos, duas velhas e decadentes prostitutas, vestidas em roupas espalhafatosas, tentavam atrair algum cliente. Davam a impressão de estaranos sem conseguir fazer um programa, tamanha a feiúra de seus corpos e rostos, mas logo surgiu da direção do cais um marinheiro que se encantou com a menos velha e a levou para o albergue do outro lado da praça – e quando digo marinheiro, não imaginem um ruivo esbelto e bem barbeado, vestido em impecável uniforme azul e branco, como nos antigos filmes musicais.
Não sei por quê, mas não me sentia muito bem naquele ambiente. Do outro lado da praça, policiais espancavam um senhor idoso, mas pouca gente lhes dava atenção, preferindo observar a discussão entre um travesti e uma senhora de meia-idade junto à estátua do general sem o braço que outrora erguia a espada. Em bancas improvisadas sob os arcos, alguns ambulantes vendiam aguardente de última categoria, enquanto outros vendiam cigarros contrabandeados. Uma velha senhora, vestida com trapos do que outrora foi um sobretudo, vendia salgados engordurados dispostos num tabuleiro cheio de moscas. Numa pequena banca pouco adiante, alguns transeuntes gastavam seus parcos tostões tentando adivinhar sob que dedal o prestidigitador tinha deixado a bolinha.
Minha sensação era bizarra, como um desespero que não se sabe por quê. Seguindo sob os arcos, tive de desviar para não pisar em alguns jovens que injetavam heroína nas veias. Um garoto raquítico que parecia ter nove ou dez anos fumava crack num cachimbo improvisado numa lata de refrigerante; seu companheiro, ainda mais esquelético, quase sem conseguir se manter em , me pediu dinheiro. Adiante, um rapaz um pouco mais velho me ofereceu haxixe, enquanto um senhor vendia cocaína e heroína. Desviei-me de ambos e segui em direção à taverna. Alguns ruidosos motoqueiros entraram pela praça como o som de uma trovoada, deram uma volta acelerando suas possantes máquinas de fazer barulho e logo se retiraram. Enquanto isso dois homens molestavam uma jovem de quinze ou dezesseis anos que tentava chegar a um arruinado salão de beleza.
Caminhei para a taverna tentando descobrir por que eu me sentia tão mal, mas não consegui identificar o que tanto me incomodava – afinal, aquele era meu mundo.  

Abrantes, janeiro de 2008

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